segunda-feira, 25 de abril de 2011

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Empresários funcionários públicos


18 de Abril de 2011 - por Renato Lima

Tags: Funcionalismo Público empreendedorismo



Uma das melhores sínteses de história econômica está sendo empreendida por Deirdre McCloskey, professora da Universidade de Illinois em Chicago. No seu projeto histórico, que deve ter de quatro a seis livros, dos quais dois já foram lançados (“Bourgeois Virtues: Ethics for an Age of Commerce” e “Bourgeois Dignity: Why Economics Can't Explain the Modern World”), o desenvolvimento econômico é explicado a partir do empreendedor, numa longa perspectiva histórica.



Em sua obra mais recente, McCloskey busca entender como o mundo deu um salto de riqueza e longevidade a partir do século XIX. Até então, a renda per capita média se mantinha próxima da subsistência, algo como três dólares por dia. Quando uma região prosperava mais rapidamente, o aumento populacional puxava a renda per capita para baixo, na chamada armadilha malthusiana. Mas, a partir do século XIX, foi possível que houvesse crescimento de população e renda ao mesmo tempo. Hoje, os bolsões de miséria chamam tanta atenção justamente porque são exceções – e nossos impulsos morais clamam por eliminar tal condição. Mas miséria era o padrão de vida durante a imensa maioria do percurso humano. Subitamente (em termos históricos), passou-se a entender que todo ser humano deve ter acesso a meios dignos de vida, sendo a alimentação o mais básico. Como explicar uma mudança tão drástica, de algo que era padrão por milênios para ser exceção, a partir do século XIX?



Na visão de McCloskey, a chave não está na economia convencional – por sinal, a economia que ela aprendeu e ensinou durante anos. E ela aborda as diversas teorias sobre o crescimento e explica por que, em sua visão, elas são, no mínimo, incompletas. Usualmente se explicaria pela poupança, a parte da renda que poderia ter sido consumida, mas foi guardado para investir e gerar um maior retorno. Segundo McCloskey, essa mesma história tem as suas variantes “de direita” e de “esquerda”. A primeira saúda os frugais indivíduos que pouparam e investiram, pensaram no amanhã e construíram um mundo melhor. A versão da esquerda afirma que a poupança foi produto da exploração de mais-valia ou de recursos naturais de países pobres. As duas linhas de argumentação veem como mecanismo a poupança levando a investimento e posterior acumulação de capital.



Mas exploração do trabalho alheio e investimento não surgiram no século XIX – nem o comércio externo, outra comum explicação para o crescimento econômico. A grande muralha chinesa é um exemplo colossal de investimento forçado, bem como as pirâmides. Excetuando o fato de que as pirâmides são uma grande atração turística, elas não foram construídas com esse propósito – e, se o foram, a taxa de desconto até que elas gerassem receita com visitantes a inviabilizariam como investimento... “Roubar trabalho de pobres sempre ocorreu. Era assim que pessoas ficavam ricas antigamente. Se isso levasse a uma revolução industrial já a teríamos tido muitos anos atrás”, disse McCloskey em uma recente palestra da qual participei.



E o que pode explicar então? Na visão dela, um conjunto de mudanças sociológicas e políticas que proporcionaram aos empreendedores a liberdade de inovar e a respeitabilidade social. A liberdade é pré-condição para que inovações sejam adotadas e produzam resultados. Melhor ainda quando essa liberdade é acompanhada de admiração pública. Existe mais dinamismo em locais onde a inovação é estimulada e admirada. Os velhos produtos e soluções são mais facilmente substituídos por novas ideias. Nesse tipo de sociedade, empreender e não dar certo é encarado como um aprendizado, não como um fracasso. É preciso aceitar perdas para, no todo, ter maiores ganhos. É a destruição criativa, como falava Schumpeter. Ou a informação dispersa que planejador algum poderia reunir, lembraria Hayek. Ou ainda o estado de alerta para perceber oportunidades, como enfatiza Israel Kizner.



Mas empreendedorismo é mais que boa gestão ou boas ideias. É também persuasão, destaca McCloskey, que, entre outras coisas, ensina retórica. Empreendedores precisam persuadir as pessoas ao seu redor para acreditarem nas suas ideias (quando captam recursos) e comprarem os seus produtos. A liberdade de imprensa – e de opinião de modo geral – contribuiu para um governo limitado, mais eficiente e responsivo às demandas da população (accountability).



O sucesso econômico, em sua visão de longo prazo, dependeu de um ambiente político que proporcionasse liberdade para empreender, um ambiente cultural que olhasse para a inovação e o empreendedor como fatores a serem apreciados, e a liberdade de opinião como imprescindível para a correção de rumos. É possível crescer sem esses valores, por certo tempo, como em países que se aproveitam de rendas de recursos naturais em momentos de alta nas commodities. Mas, sem o devido ambiente institucional, a tendência é recuar.



Supondo que McCloskey esteja correta – e a sua obra é bastante convincente e está apoiada em ombros de gigantes –, existe uma agenda de crescimento pouco debatida no Brasil. O empreendedorismo de jovens morre dentro de casa por causa de pais que logo recomendam que estudem para concursos públicos. Futuros empreendedores que contribuiriam com o crescimento do país viram burocratas, que contam os dias para a aposentadoria – quando não ficam pulando de concurso em concurso, atraídos por bons salários e estabilidade. E estabilidade não rima com dinamismo ou inovação. Com a estrutura atual de incentivos, empreender no Brasil é enfrentar enormes riscos e ainda suportar um clima de desconfiança, uma aura de sonegador, explorador do trabalho alheio etc.



Não contente em mandar em dezenas de estatais, o governo ainda avança sobre o setor privado, como no caso da Vale, que viu o seu gestor pressionado a sair porque... bem, porque foi exemplarmente eficiente e se recusou a tomar decisões como construir pirâmides a pedido do poder político. Não surpreende o governo (qualquer que seja) querer que as empresas tenham gestores politicamente alinhados, mas é um péssimo sinal ver que tal movimento ocorre com enorme silêncio da classe empresarial, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), eloquente na hora de pedir protecionismo. São empresários que também estão virando funcionários públicos, preferindo a estabilidade (mantida através das boas relações com o governo) a uma administração independente e dinâmica. Não é um bom sinal para o país quando empreendedores perdem a dignidade (e a admiração pública) e também a liberdade de conduzirem seus negócios.

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